terça-feira, 19 de janeiro de 2010

JOVENS NO MARACANÃ


Luz no túnel para jovens infratores

Adolescentes presos ganham oportunidade de trabalhar como gandulas em jogos no Maracanã

Miguel Caballero

Histórico promotor de inclusão social de garotos que têm talento dentro de campo, o futebol começa a abrir portas também fora das quatro linhas — em torno delas, na verdade. Ontem, o primeiro jogo do Flamengo no ano marcou também a estreia, no Maracanã, de dois jovens de 18 anos que cumprem pena no Centro de Ressocialização de Adolescentes (Cread), na Ilha do Governador. Eles estavam escalados entre os 14 gandulas que repunham as bolas em campo. Durante todo o Campeonato Carioca, os jogos no Maracanã receberão jovens presos no Cread para trabalhar como gandulas, de acordo com a parceria firmada entre o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e o governo estadual.

No túnel que liga o vestiário do Flamengo ao gramado, esperando para subir para o jogo, X., há dois meses cumprindo pena, experimentava sua primeira vez no estádio. Mais do que um dia de trabalho para quem está privado da liberdade — cada gandula recebe R$ 20 —, a chance vale mais pelo acesso a novas experiências.

— O Maracanã é maior do que imaginava, o campo é bem grande. Só tinha visto pela TV. Fiquei atrás de um gol. A gente tem que aproveitar essas chances enquanto estamos lá. Já trabalhei como cozinheiro, num outro programa do Degase (Departamento Geral de Acompanhamento Sócio-Educativo).

Como cozinheiro ganho mais, mas aqui estou vendo os caras de perto — disse o adolescente, aproveitando para cumprimentar o lateral Leonardo Moura, que, se recuperando de cirurgia, foi ao vestiário rubro-negro antes do jogo.

Assim que chegaram ao estádio, os dois adolescentes receberam o mesmo tratamento dos demais gandulas. Num dos vestiários, ouviram as instruções e restrições que deveriam seguir: não podem pedir camisa nem autógrafo aos jogadores, não podem comemorar gol, não podem atrasar o jogo. Além disso, é preciso estar atento à partida e ter um mínimo de condição física: no Maracanã, os gandulas atuam na preliminar e no jogo principal, muitas vezes, como ontem, sob sol forte.

Nas mãos dos 14 gandulas — quatro atrás de cada gol, mais seis nas duas laterais — ficam seis bolas de jogo. A regra é devolver o mais rapidamente possível.

Há cinco meses saindo do Cread apenas nos fins de semana, e tendo de voltar para dormir, Y. é sincero ao responder sobre o que pode extrair de mais positivo da tarde no Maracanã.

— A gente vem sempre com a intenção de sair de lá, né? Tendo bom comportamento, a gente pode sair mais rápido. Qualquer chance que a gente tem de sair de lá e ter contato com mais gente, ir para a rua, é bom, ninguém quer ficar lá — disse.

A oportunidade aberta no Campeonato Carioca será estendida na preparação para a Copa-2014, não apenas com a contratação de adolescentes como gandulas, mas com vagas para detentos nas obras. Como parte do programa “Começar de Novo”, do CNJ, os prefeitos e governadores das capitais e estados que sediarão jogos da Mundial se comprometeram a destinar 5% das vagas nas obras para egressos do sistema prisional. O mesmo deve acontecer nas Olimpíadas-2016, no Rio. Só a reforma do Maracanã deve gerar mil empregos diretos, 50 para presos.

Erivaldo Ribeiro dos Santos, juizauxiliar da presidência do CNJ, diz que o Campeonato Carioca funcionará como piloto para o projeto.

— A função de gandula é emblemática, pois o futebol já faz por si só esse papel de resgate, dando uma nova vida a meninos que vêm de uma posição não privilegiada. Agora, o esporte vai ajudar também os que cometeram atos errados. O que o Rio está fazendo será modelo para os outros estados.

No Rio, a 1ª Vara da Infância e da Adolescência está selecionando, junto do Degase, os jovens que vão participar das partidas.

— São jovens de 18 anos completos e em semi-liberdade. Já passaram pela internação, que é a medida mais drástica, e receberam a progressão da pena — explica Marcius da Costa Ferreira, juiz da 1ª Vara da Infância e da Adolescência do Rio.